quinta-feira, 24 de maio de 2012

Companhia Olga Roriz em Macau



“Nortada” marca a estreia da Companhia Olga Roriz em Macau. O espectáculo terá lugar hoje à noite no Centro Cultural e vai transportar os espectadores até um Portugal tradicional de memórias vivas.

Pedro Galinha
Olga Roriz não viajou com a sua companhia até Macau, mas fez questão de deixar uma mensagem ao público que hoje pode ver “Nortada” no Centro Cultural, a partir das 20h: “Estando longe, nunca estarei ausente. Nortada é talvez das peças que criei a mais representativa da alma portuguesa. Evadida de uma forte imagética colectiva, Nortada é rica de lembranças da infância e da adolescência, onde me encontro em cada gesto, em cada palavra de cada silêncio. Memórias de um passado projectadas no futuro. Memórias partilhadas com os meus bailarinos e, por eles, eximiamente recriadas”.

As palavras da coreógrafa portuguesa mais reconhecida internacionalmente foram lidas pela bailarina Catarina Câmara, a quem coube a responsabilidade de responder a uma pergunta inevitável: como se prepara um espectáculo sem Olga Roriz?

“A sensação é como se os filhos tivessem ido acampar pela primeira vez sem os pais. A Olga, em oito ou nove anos de companhia, esteve sempre presente em todos os espectáculos. E em todos os espectáculos esteve com a mesma vibração, a mesma exigência. Como se fosse o primeiro. Isto é inédito num criador”, lembra a executante que partilha o palco com outros quatro bailarinos – só Pedro Santiago Cal não participou na conversa.

Juntos, trazem a Macau um pedaço de Viana do Castelo – cidade minhota de onde é natural a mentora da companhia de dança contemporânea que integram.

Do município vianense partiu, precisamente, a encomenda do espectáculo que se prolonga por mais de uma hora e meia.

“A peça foi criada a partir de imagens, sons, elementos que todos nós captámos assistindo às festas de Nossa Senhora da Agonia em Viana do Castelo. Com a direcção da Olga fomos criando situações de memórias que íamos absorvendo e que depois interpretamos”, explica Rafaela Salvador, ladeada de Bruno Alexandre que confirma o trabalho de campo “quase etnográfico” que “Nortada” exigiu, até a nível musical.

“Há sons que foram captados mesmo nas festas da Nossa Senhora da Agonia”, revela o bailarino, antes de anunciar que Amália Rodrigues também faz parte do alinhamento.

Na dança dos testemunhos, Catarina Câmara toma novamente a palavra para recordar que o método de trabalho de Olga Roriz dita uma espécie de “residência intelectual”. Em Viana do Castelo, foram duas semanas a vaguear pela cidade, de bloco na mão para tirar notas. Cada um organizou um dossiê e o resultado final foi partilhado com a coreógrafa que dá sempre liberdade aos bailarinos no momento de criação.

“Peça única”
Dos cinco intérpretes de “Nortada”, há um nome que salta logo à vista pela grafia: Sylvia Rijmer.

Apesar de ter nascido na Nigéria, a bailarina tem nacionalidade holandesa e japonesa. Em Portugal, começou por integrar o Ballet Gulbenkian, seguindo depois para a Companhia Olga Roriz.

Sobre “Nortada”, este olhar mais distante diz-nos que é “uma peça única” porque “representa Portugal de uma forma especial”, sem esquecer os símbolos da tradição lusa. Um desses casos é uma simples mesa que Rafaela Salvador nomeia de “ponto de encontro”: “É aí que a família se reúne e, depois, sai para as festas, cerimónias religiosas, locais de divertimento, namoro, bailes”.

Estes ritos tradicionais, tão próximos da realidade local, despertam a identidade asiática de Sylvia Rijmer e levam-na a dizer que “Nortada” vai “funcionar bem” em Macau.

“Reconheço que [a tradição] é valiosa porque venho do Japão e há alguns pontos comuns entre as duas culturas, no que diz respeito aos valores, à família. Para mim, foi interessante estar envolvida, ainda que não tenha estranhado”, confessa a bailarina que terá os pais na plateia do Centro Cultural.
Futuro incerto
Apesar de ser reconhecida dentro e fora de portas, a Companhia Olga Roriz – fundada em 1995 com o apoio financeiro dos extintos Ministério da Cultura e Instituto das Artes – “está na iminência de acabar”, diz Bruno Alexandre.

O grupo, que “nunca foi completamente dependente do estado”, lamenta a “falta de espaço e condições” para continuar a preparar espectáculos. “Por não haver dinheiro, não haverá nada para mostrar. Podemos apresentar peças de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011 ou 2012, mas a partir daí tudo acaba”, vaticina o bailarino.

Sylvia Rijmer destaca que, actualmente, existem grandes diferenças na forma como as artes são vistas um pouco por todo o mundo. “É interessante porque, aqui [Ásia], há investimento na arte e nos artistas. Há uma aposta no desenvolvimento porque a arte representa uma cultura. Em Portugal… É difícil Portugal reconhecer a própria cultura. É importante ser local, mas com uma mente global”, argumenta.

Catarina Câmara aposta em denunciar a “falta de entrosamento das artes na educação”. “Há que educar as pessoas”, justifica, e essa aposta deve acontecer desde tenra idade, para prevenir o futuro: “Enquanto os nossos políticos não tiverem aulas de expressão corporal, as coisas não vão acontecer”.

A abertura de um novo concurso na área da internacionalização dos artistas portugueses (o Governo português anunciou que vai distribuir 600 mil euros por um máximo de 100 candidaturas das mais diversas áreas artísticas) também não encontra grande entusiasmo na companhia. Ainda assim, o desejo de sair de Portugal para mostrar o trabalho desenvolvido é comum a todos os performers.

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