sábado, 25 de fevereiro de 2012

Primeiro dia do Correntes d'Escritas

Rubem Fonseca brilhou no primeiro dia do Correntes d'Escritas



Charme delicioso, sentido de humor cortante e domínio total do verbo. Rubem Fonseca, um dos maiores escritores da língua portuguesa vivos, que raramente aparece e nunca dá entrevistas, inaugurou o primeiro dia do Correntes d’Escritas em grande estilo, deixando o auditório da Póvoa de Varzim rendido aos seus encantos.

De manhã, recebeu o Prémio Literário Casino da Póvoa / Correntes d’Escritas, pelo livro Bufo & Spallanzani (ed. Sextante). Agradeceu a distinção, enalteceu a língua portuguesa e recitou um soneto de Camões, deixando muitos dos presentes comovidos. À tarde, depois de receber a Medalha de Mérito Cultural entregue pelo secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, que o descreveu como «um dos grandes mestres da língua portuguesa», juntou-se a Almeida Faria, Eduardo Lourenço, Hélia Correia e Ana Paula Tavares numa mesa sobre o tema ‘A Escrita é um Risco Total’.

E foi aqui que provocou gargalhadas na plateia inteira, quando mostrou que, ao contrário do que afirma, de tímido pouco tem. «Sou da escola peripatética, não consigo falar sentado», disse, levantando-se, e começando a percorrer o palco. E o que se seguiu foram 15 minutos (terão sido 30 que passaram a correr), nos quais analisou as características necessárias para se ser escritor, mostrando que aos 86 anos ainda está em excelente forma.

«Escrever é uma forma socialmente aceite de loucura», garantiu. «Nesta mesa somos todos loucos». E, debruçando-se sobre Eduardo Lourenço, por quem assegura ter grande estima, continuou, referindo-se ao autor de O Labirinto da Saudade: «Tem uma loucura escondidinha, ninguém percebe, mas é louco». Depois explicou, falando alto, a bom som, e dando uma entoação dramática à frase, que «a melhor maneira de criar um poeta é, à medida que a criança vai crescendo, torná-la cada vez mais neurótica».

E o autor de A Grande Arte foi continuando, pouca atenção dando ao óbvio, «tem que ser alfabetizado, mas não muito», mas salientado a necessidade de que o escritor «tem que dar a ver, tem que fazer sentir, porque só assim o leitor pode compreender».

«Tem que ser motivado, porque sem motivação não se descasca nem uma banana», prosseguiu, lembrando que Montalbán, o criador de Pepe Carvalho, disse em tempos que se quis tornar escritor para ser alto e bonito. E as suas recordações literárias continuaram, quando referiu que a quarta característica necessária para se ser um bom escritor é a paciência, dando como exemplo Flaubert, que demorou cinco anos a escrever Madame Bovary: «Ele sabia que não existem sinónimos, isso é coisa para gramático. Cada palavra tem um significado diferente!».

Ao lote, o vencedor do Prémio Camões em 2003, juntou ainda a imaginação: «Temos que inventar, não podemos andar a contar a vidinha da gente, tem que criar».

Para encerrar o discurso, o autor de Mandrake, a Bíblia e a Bengala, (que venceu o Prémio Camões em 2003) leu novamente Camões e voltou a enaltecer a língua portuguesa: «A língua portuguesa é eterna, uma das mais lindas do mundo». O longo aplauso que se seguiu provou que os que tiveram a honra, e o prazer, de assistir a uma das raras aparições públicas de Rubem Fonseca, sabem que é graças a ele, e à sua absoluta mestria narrativa, que a língua portuguesa se mantém, e manterá, viva.
(fonte:
http://sol.sapo.pt)

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